Monday, October 6, 2008

CASAMENTO DE HOMOSEXUAIS: PORQUE MUDEI DE OPINIÃO

Foto apm

Confesso que durante anos o preconceito habitou a minha consciência, até que, no exercício da minha actividade de advogado uma cliente me fez mudar de ideias. Reclamava, à luz da lei, com razão, um apartamento propriedade do seu pai, entretanto falecido. Do outro lado, o companheiro com quem o pai vivia há duas dezenas de anos. Cuidara dele - que um cancro ia minando inexoravelmente - extremosamente, até ao fim dos seus dias. Compreendi então que o amor e a afeição não tem de ser necessariamente entre seres do mesmo sexo. Não foi fácil combater preconceitos que alimentaram toda a minha educação. Ainda não é...

4 comments:

Unknown said...

"Compreendi então que o amor e a afeição não tem de ser necessariamente entre seres do mesmo sexo." ?????

Não quereria o Sr. dizer, que compreendeu então que o amor e a afeição não tem de ser necessariamente entre seres de sexo diferente?????

Unknown said...

Amigo,

É comum na discussão em volta do casamento entre pessoas do mesmo sexo recorrer-se ad nauseum à História da dita instituição. Mas esta é sempre castrada na citação: 1) referem-se apenas os exemplos heterossexuais e 2) só a História ocidental parece interessar.

Assim nunca se referem os casamentos homossexuais na História muçulmana ou das tribos da América do Norte. Sendo que as bençãos dadas pela Igreja, durante a Idade Média, a casais do mesmo sexo, continuam a ser um grande mistério, com mais especulações do que certezas. Depois convém olhar também para o mundo contemporâneo além-Badajoz, o casamento civil homossexual é já uma realidade em alguns países, uma realidade já inscrita na História portanto, há mais de 15 anos no caso dinamarquês.

Mas o que interessa de facto é que o casamento homossexual seja uma realidade no futuro mais próximo quanto possível em Portugal. Os olhares devem-se focar em frente. É aqui que por vezes surge o "argumento biológico", que não é mais que religião mascarada de má ciência. Solteiros podem ter filhos, casados podem não ter, e dizer mais que isto é chover no molhado e valorizar argumentos medíocres.

Vemos assim o modo como o casamento, instituição humana, histórica e sociologicamente determinada, para além de culturalmente relativa, é de facto não natural e ocorre fora da suposta ordem biológica. Deste modo o casamento hetero e/ou homossexual é essencialmente um fenómeno social e político.

Com a constituição do Estado Moderno, proclamado na Revolução Francesa, a lógica do Antigo Regime dos privilégios de nascimento foi substituída pela noção da igualdade de direitos entre os cidadãos, como princípio basilar na formação do Estado Democrático. Apenas muitos anos mais tarde extensíveis às cidadãs. Foi necessário esperar pelos anos 90 do século XX, para que a Declaração de Viena viesse consagrar os direitos humanos das mulheres como condição sine qua non para a universalidade da noção de direitos humanos. As constituições começaram também a consagrar o princípio da igualdade, sem fazer distinções quanto à orientação sexual.

Se enquanto cidadãos dispomos dos mesmos direitos e deveres civis, sociais e políticos, porque razão não podemos, enquanto cidadãos, usufruir da extensão do direito a contrair matrimónio? Se somos iguais perante a lei, porque não é igual perante a lei um casal de homens e um casal homem-mulher? Qual é então a nossa diferença? E que preço pagamos por essa diferença imputada?

Unknown said...

Parece subsistir, em relação aos casamentos gays, a mistura explosiva de religião e conservadorismo, que permitiu diferir a consagração da igualdade de direitos das mulheres, dois séculos. Usando argumentos discriminatórios, biologizantes e ancorados na construção naturalizada da exclusão, estes argumentos encontram-se em ruptura com o princípio da igualdade, preterindo a democracia ao dogma mal informado. Ora, não há democracia nas tentativas de exclusão, não há direitos civis, sem que todos os cidadãos a eles tenham direitos. Porque para serem direitos devem ser extensíveis a todos, sob pena de perpetuarem hipócritas exclusões anti-democráticas, sem lugar nos sistemas democráticos.

Confesso que me custa a entender a posição daqueles que persistem em impedir liminarmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Nem entendo que possam existir objecções de ordem moral, ética ou religiosa, já que nunca vi ninguém a defender a "obrigatoriedade" do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou a defender que ele se aplique ao casamento religioso.

Acho que, num Estado verdadeiramente laico, o problema da extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo deveria ser colocado somente numa exclusiva e estrita óptica jurídica.

Até porque, se na maior parte das situações estaremos a falar de dois homens ou duas mulheres que vivem, como diz a lei, «em condições análogas às dos cônjuges», casos haverá em que poderemos estar perante, por exemplo, dois irmãos de avançada idade que sempre viveram juntos, ou uma velha senhora e a sua «governanta» de 50 anos, que queiram - e estão no direito - de assegurar alguma forma de juridicidade ao seu longo relacionamento, de onde o sexo até está afastado.

O que é mais estranho na posição de quem não admite o casamento de duas pessoas do mesmo sexo, é que grande parte das consequências jurídicas que, do plano patrimonial, decorrem do casamento civil podem já ser obtidas, uma a uma e isoladamente, quer através de beneficiação mútua em testamentos, quer pela celebração de contratos específicos.

Deste modo e, repito, de um ponto de vista estritamente jurídico, a questão do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo resumir-se-ia no plano patrimonial a conferir acolhimento legal (nem que fosse por meras questões de ordem prática e de comodidade) a um único contrato que incluísse todos os que são celebrados separadamente.

E que, claro, também vinculasse contratualmente quem o celebra ao cumprimento dos mesmos deveres que, do ponto de vista pessoal, necessariamente decorrerão.

Porquê proibir então a celebração de um tal contrato?

Será que é somente porque a palavra «casamento» aplicada a um contrato celebrado entre duas pessoas do mesmo sexo pode ferir a «moral burguesa»?

Unknown said...

Então que se afastem já todos os obstáculos a quem quer livremente associar-se e «constituir família em plena comunhão de vida» com alguém do mesmo sexo: mude-se o nome ao contrato!!!

Chamemo-lhe, por exemplo, «Contrato de Comunhão de Vida», «Contrato de Associação Familiar», ou outro nome qualquer.

Assim já está bem?

Será que a discussão de todo este problema é afinal meramente... semântica?

Claro que não!

O problema é bem outro: passa exclusivamente pela convicção que algumas pessoas têm de que, se determinam a sua própria vida de acordo com as opções sociais, éticas ou religiosas que entenderam por bem adoptar, o que, como é óbvio, lhes é perfeitamente legítimo, também se acham no direito de impor esses mesmos valores às outras pessoas.

O que já é completamente inadmissível.

Que estranha legitimidade é essa que dá a um habitante de Bragança a possibilidade de impedir que duas pessoas do mesmo sexo que vivem em Faro, se associem em comunhão de vida?

Se virmos bem, a questão do «casamento homossexual» – com esse nome ou com outro – passa antes de mais pelo reconhecimento de que ele constitui uma das mais básicas e fundamentais liberdades individuais dos cidadãos.

Tão importante como, por exemplo, a liberdade religiosa, é o direito a um cidadão determinar a sua própria vida.

Porque uma coisa é certa: em nenhum país a democracia estará plenamente afirmada enquanto não for reconhecido esse direito!

Não há democracia sem casamento homossexual! Não há democracia sem igualdade plena!