Sunday, August 31, 2008

HERDADE DA COMPORTA : OS PARADOXOS DA CRIATIVIDADE



Até ao 25 de Abril os assalariados da grande Herdade da Comporta não tinham, em regra, direito a habitações de terra e cal, a fim de evitar os inerentes direitos de usucapião. Construiram então belas cabanas de colmo, como podemos ver na Carrasqueira. Após a revolução construiram apressadamente, sem pedir licença, apenas com o beneplácito do Poder Local entretanto instituído. Pacientemente os antigos senhores foram tecendo mansamente a sua estratégia. Hoje a Herdade da Comporta é um PIN de vocação turística e os placards "PROPRIEDADE PRIVADA" estão espalhados por todo o lado, mesmo quando o Direito de Servidão o impede legalmente, perante o silêncio do poder local e central. E até a criatividade, engenho e arte do pobre, na construção das cabanas lhes é furtada , servindo agora de chamariz para a atracção dos potenciais investidores imobiliários.

ALERTA: GALP COMPRA POSTOS DE GAZOLINA

Numa operação discreta a GALP adquiriu os postos de gazolina anteriormente pertença da cadeia de supermercados Carrefour(entretanto adquirida pela Sonae). Que estará por detrás desta operação? Necessidade de mais unidades de distribuição? Não é crível pois a sua rede é vasta e densa. Logo a explicação, preocupante para o consumidor, deve ser outra: como estes postos do Carrefour (veja-se o do Fórum Montijo)praticavam um preço bem mais barato que o preço "tabelado" (15 a 20 cêntimos menos, em média, em cada litro de SUPER 95!) não visará esta operação tentar terminar com esta prática lesiva dos seus interesses? Deveremos estar atentos aos preços praticados aí no futuro e se a Galp vai estender esta acção aos postos de preço mais acessível, como os do Jumbo e Intermarché, entre poucos outros!

A PALAVRA DOS OUTROS: RECEITA PARA OBTER SUCESSO

Bela Silva, ceramista, pintora e escultora, à revista "Única" do Expresso:
"(...) Ser conhecido e ter sucesso na arte passa também por outras coisas.A ligação a partidos, à maçonaria, e a lóbis de outras espécies".

Thursday, August 28, 2008

SAUDADES DE LISBOA

Eram poucas as palavras

que usava para falar,

umas vezes, por preguiça,

outras vezes, por ousar.


Mas no dia em que parti,

o Sol parou por instantes

- milagres como só dantes…-

que de espanto pouco vi.


Fui numa vaga de espuma

para o outro lado da vida,

Lisboa que eu troquei

por coisa alguma.


Inédito de arlindo pato mota


Foto apm

PARÁBOLA: O DUQUE E O CARPINTEIRO

Em tempos idos, um poderoso nobre encontrava-se a ler, no seu sumptuoso salão, enquanto no terreiro um carpinteiro ia tranquilamenteafeiçoando uma roda. Inesperadamente, poisando o martelo e o formão, dirige-se ao Duque indagando sobre o livro que estava a ler: "Um livro que contém o pensamento dos Sábios", respondeu aquele, complacente.
"E os Sábios estão vivos?" insistiu o carpinteiro. "Não, já morreram", respondeu o Duque. "Nesse caso, retomou o carpinteiro, o que estais a ler não passa da borra e espuma dos homens desaparecidos".
"Como ousas, carpinteiro, apontar defeitos ao livro que estou a ler? Se conseguires justificar a tua afirmação, poupar-te-ei, caso contrário, morrerás!"- retorquiu o duque, entre o irado e o curioso.
"Como carpinteiro, replicou o homem sem se perturbar, eis como vejo as coisas: Quando faço uma roda, se o golpe é demasiado lento, será profundo; se o o golpe for escessivamente rápido, será firme mas não profundo. O ritmo justo, nem demasiado lento, nem demasiado rápido, só se pode sentir na mão que afeiçoa, se nos vier do coração."
Desconhecemos, por supérfluo, o destino do carpinteiro, mas reencontramos em Saint Exupéry o sentido da parábola: o essencial é invisível para os olhos...

Wednesday, August 27, 2008

RECONHECER O ÓBVIO

O Presidente da República reconheceu hoje, depois da enésima vez em que ouvimos o Secretário Geral da Segurança Interna e o Ministro respectivo invocarem as estatísticas para diminuirem o efeito de pânico que se vai instalando na população, que a situação é grave, que é preciso tomar medidas eficientes.

Curiosamente dois dias depois de ter ocorrido na sua terra natal, Boliqueime, um assalto que pode ter um efeito devastador sobre o turismo algarvio se o turista alemão que foi baleado não recuperar. Ainda há poucas semanas a polícia portuguesa foi ridicularizada nos media internacionais pelo arquivamento (nas circunstâncias em que ocorreu)do caso "Maddie". Há casos em que o silêncio não é de oiro.

É O PETRÓLEO, ESTÚPIDO!

Nas vésperas do começo dos Jogos Olímpicos de Pequim, as tropas da Geórgia entraram na OSSÉTIA DO SUL, após escaramuças não totalmente aclaradas. A Rússia intervém com o pretexto de que iria proteger o seu aliado, onde 80% teriam passaportes russos. Rapidamente toma conta da situação e a Geórgia começa nos meios ocidentais a ser apresentada como vítima.

Os enviados e comentaristas relatam os acontecimentos sob uma perspectiva claramente alinhada com os governantes da Geórgia. Os EUA tomam uma posição claramente dura tentando isolar a Rússia com o beneplácito da União Europeia. As posições continuam a extremar-se, fazendo lembrar os tempos da Guerra Fria. Só que agora, e isso deveria fazer toda a diferença, não se trata de uma questão ideológica, pois os actores pertencem ao campo capitalista. Que os divide? A zona tem aumentado a sua importância estratégica na rota do transporte energético, é isso, como foi no Iraque, como é com o Irão. E assim vai às malvas a teoria expressa por Fukuyama no seu livro "O Fim da História"

Tuesday, August 26, 2008

FOTOPOEMA: PACIENTEMENTE, AS CEGONHAS


Foto Arlindo Pato Mota

"Livres as mãos tonificadas pelo frio e o

orvalho, colhem o entusiasmo das pétalas em

flor, enquanto, por entre o casario

tingido cor de fogo, as cegonhas vão

erguendo, pacientemente, a sua

arquitectura volátil."


In " A Seda das Palavras" (excerto) de Arlindo Mota

METÁFORA: DESABOU UMA ALA NO TRIBUNAL

O tecto falso do Tribunal de Fafe desabou e provocou feridos e um morto. Decididamente a Justiça atravessa um mau bocado.

GOOD NEWS, BED NEWS?

Portugal é o país europeu com menos emissões poluentes emitidas pelos automóveis vendidos em 2007. Porque Portugal se preocupa mais com o ambiente do que os outros países europeus? Porque estamos "no bom caminho" como diz o Xico Ferreira, da Quercus (tomando os desejos por realidade?...)? Ou porque estes veículos são mais baratos? Apostava nesta última. Com as seguintes consequências: Veículos vocacionados para a cidade são em época de crise naturalmente utilizados como familiares. Pouco potentes (ultrapassagens perigosas…), insuficientes em matéria de segurança passiva, estes carros são fortemente penalizados por uma fiscalidade das mais altas da Europa. Tal não ajuda a minorar a nossa posição na tabela de mortes na estrada!

Monday, August 25, 2008

A ÁGUA TEMA DA EXPO 2008

ÁGUA: HARMONIZAR OU AUMENTAR PREÇOS?

Na maior parte dos casos a água é propriedade dos municípios. Com preços diferentes de concelho para concelho, por decisão municipal. Prepara-se, na sombra dos gabinetes, uma alteração significativa do status-quo. Pressente-se e que não vai no sentido da descida dos preços é evidente. E se a mercantilização deste bem precioso e escassso já há muito se fazia sentir, com a presença, em regime de concessão, das grandes empresas multinacionais do sector, desenha-se agora claramente uma estratégia para fazer da água uma mercadoria, onde os grandes interesses privados virão a representar um papel decisivo. Com vantagem para os consumidores? Aguardar para ver, mas o sector da energia não é um bom exemplo...

Sunday, August 24, 2008

NÃO PENSES NUM ELEFANTE (1)

"Don't think of an elephant!" é o título de um livro de George Lakoff, autor americano que analisa com argúcia e empenhamento o modo como os conservadores se foram apoderando daquilo que durante muito tempo constituiu um património da esquerda: o mundo das ideias. Porque os EUA execem o papel que exercem, tanto a nvel militar como cultural e político, neste ano de eleições, vou de quando em vez socorrer-me deste pequeno e famoso livro para ajudar a compreender o que se passa no seio da única superpotência mundial.

Há quarenta anos, dando-se conta, segundo Lakoff, de que para a maioria dos jovens brilhantes do país ser conservador era obsceno, estes decidiram investir fortemente no apoio a instituições de intelectuais (think tanks). Ora bem, nestas últimas décadas, os seus membros (da Fundação Heritage, das Cátedras Olin, o Instituto Olin em Harvard e muitas outras, entretanto criadas) haviam escrito mais livros que as pessoas de esquerda sobre todas as questões importantes. Os conservadores apoiam os seus intelectuais. Criam oportunidades mediáticas. Oitenta por cento dos opinion makers da telvisão pertencem aos think thank conservadores, sublinha o autor.

FOTOPOEMA: REFLEXÃO


Foto de Arlindo Pato Mota

"Quem me guarda o luar

Das investidas do tempo?

Qual o percurso do mar?

Qual o destino do vento?"

Arlindo Mota in "A Seda das Palavras"

Saturday, August 23, 2008

OS NOSSOS FILHOS

Abri o EXPRESSO e lá vem em grande destaque uma notícia que vai ao encontro do que afirmámos no post anterior: "Fosso salarial entre os trabalhadores que entram no mercado e quem já está a trabalhar agrava-se desde 2002". E acrescenta que um licenciado acabado de sair da Universidade, sem experiência, que se torne colaborador dos CTT este ano irá receber de salário base menos 3000 Euros do que receberia nos últimos anos.

O desenvolvimento do artigo vai no mesmo sentido e dá exemplos reveladores da degradação das remunerações das novas gerações.

Thursday, August 21, 2008

A PALAVRA DOS OUTROS: APERTAR O CINTO

Escrevia recentemente, na revista espanhola TIEMPO, a escritora Natível Preciado: "Pela primeira vez, afirmou o MEN francês Kouchner, os europeus não estão optimistas em relação ao futuro e pensam que os nossos filhos viverão pior que eles.Poderia ser mais preciso e ter dito que já vivem pior que nós.Criámo-los mal na ideia do esbanjamento consumista e, agora, vão ter que afrontar os rigores das carências. O mal é que não estão preparados para viver sem excessos (...)

Aos que continuam nadando na abundância , as cinco ou seis centenas de indivíduos que continuam a pertencer ao clube dos mais ricos, as privações não os afectam, mas terão também de se abster de alardear a sua riqueza e, se querem dormir tranquilos, proteger-se cada vez mais atrás de ainda mais barreiras de segurança."

OLÍMPIADAS: DO OURO À LATA


Foto da representação da China na ExpoSaragoça

Frustrados fizeram dos atletas os bombos da festa. O Comandante da Nau, que prometera muitas medalhas, como se isso dependesse dele, arengou que havia falta de profissionalismo, recambiou um atleta para Lisboa que se atrevera a mitigar a sua frustração com uma piada, deu a entender que se demitia, depois corrigindo para "que não se recandidatava", depois da vitória de NELSON ÉVORA(Parabéns e obrigado!)já admite continuar. Medalha de Lata para Vicente de Moura, pois...!

TRAGÉDIA DE MADRID

Ao ouvir o comentário de um comandante da TAP à tragédia que vitimou mais de centena e meia de pessoas (Tragédia de Madrid com um avião da SPANAIR), percebeu-se que algo pode andar mal na aviação civl: na ânsia de reduzir custos poderão algumas companhias estar a descurar a segurança? O piloto falava mesmo em pressões sobre a tripulação de algumas companhias no sentido de "aumentarem a produtividade" (os pilotos fazerem mais horas; precariedade de trabalho, etc.). Ou seja, nada que não vá ao encontro da visão mercantilista da economia e da sociedade que é hoje a ideologia dominante.

Wednesday, August 20, 2008

PORTUGAL AINDA É UM PAÍS DE BRANDOS COSTUMES?

Temos vindo a chamar aqui a atenção para a violência que tem vindo em crescendo. Os governantes, em vez de uma posição proactiva, vêm com conversa anémica e não apresentam soluções. Hoje, na nossa cidade, não aconteceu mais um assalto a um estabelecimento comercial, foi morto em plena Baixa setubalense um comerciante com dois tiros na cabeça, presumivelmente por dois jovens. Que se esconde por detrás deste clima? Violência importada? Guetos sociais e pobreza em tempo de crise? Que ningúem se iluda: Este não é um assunto para ser deixado nas mãos da direita, que o arvorará deleitadamente como bandeira.

A ANGÚSTIA DO GUARDA-REDES DA SELECÇÃO NACIONAL

Ricardo há uns anos garantiu o apuramento para o mundial, mas Baía foi o titular na fase final. Veio Scolari e afastou Baía, o que virou a gente do Norte contra o seleccionador. Ricardo voltou a ser titular e Quim suplente. Veio Carlos Queiroz e Ricardo nem convocado foi.Quim ocupou o seu lugar. Justiça ou pretexto para o seleccionador enviar recados para o exterior? É caso para dizer que a vida não está fácil para os guarda-redes titulares da selecção.

EXPO:SARAGOÇA 2008



Merece uma visita, apesar do calor e do Pavilhão de Portugal não primar pela imaginação. Na linha da EXPO de Lisboa, insere-se numa via de afirmação de uma metrópole urbana, neste caso da Capital de Aragão. Parece-me, contudo, um modelo esgotado: Sevilha foi caso único pela esfuziante alegria que o povo andaluz consegue transmitir, Lisboa, pela revalorização da parte orientsl da cidade. Mas em Saragoça não deixe de visitar EL TUBO o coração da gastronomia e da noite aragonesa...

Friday, August 15, 2008

O OVO DA SERPENTE...

Sobre os já hiper divulgados acontecimentos violentos da Quinta da Fonte, Alice que, entre a multiculturalidade e a integração, prefere esta última, partilha a convicção de que do racismo ao laxismo às vezes vai uma pequena distância que um Estado democrático não se pode permitir deixar transpor; pois um potencia o outro: de facto os cidadãos que pagam os seus impostos e se vêem em situações delicadas, têm dificuldade em compreender algumas das coisas que se têm observado: rendas irrisórias que nem assim são pagas (e alguns inquilinos tinham plasmas quase em todas as divisões da casa!, quando a renda era de 3 ou 4 euros); rendimentos de inserção social com discutível critério, e outras coisas que prefere calar. O ovo da serpente do racismo tem aqui de ser estancado sob perigo de novos e mais violentos conflitos sociais.

Por isso faz-me bem evocar o Quaresma (Alice lembrou-me oprtunamente que o genial futebolista é de origem cigana) que está para ir ter com o Mourinho a Itália. E a Naide Gomes que é um orgulho nacional, e o Nelson Évora, ambos nascidos fora de Portugal, tanto uma como o outro têm dignificado e dignificarão certamente Portugal nos Jogos Olímpicos de Pequim, prestes a começar. E Francis Obikwellu, o veloz emigrante nigeriano, que veio para cá trabalhar nas obras e a quem justamente foi concedida a nacionalidade portuguesa e que, agradecido, lá tem vindo a ganhar medalhas e a fazer tempos de prestígio mundial. E o Bozingwa, o quase intransponível defesa direito da selecção nacional. Isto sim tem a ver com o Portugal a que me orgulho de pertencer, amável, solidário, que elege os seus ídolos independentemente da raça, credo ou filiação partidária.

ALICE NO PAÍS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

Alice, por imperativo do calendário ( e falta de dinheiro), fez férias do défice e da crise, e anda super maravilhada com os progressos que tem feito no intrincado mundo do Direito. É facto que os diversos operadores de justiça (como é agora uso designarem-se os juízes, procuradores, advogados…) se apoderaram avidamente dos media (mesmo quando o recato e pudor, para não falar já nos códigos deontológicos respectivos, aconselhariam o contrário), mas é com um orgulho irreprimível que assiste ao actual e elevadíssimo grau de literacia da opinião pública portuguesa: providências cautelares, segredo de justiça, regulação do poder paternal, represtinação de leis, etc, etc.

É verdade que Portugal não atingiu ainda o grau de sofisticação da Itália, onde Berlusconi, democraticamente (!), fez aprovar uma lei que torna imunes à Justiça os governantes enquanto desempenharem os cargos para que foram eleitos. Quando tal leu, Alice viu imediatamente acender-se “uma pequena luz bruxuleante” (nas palavras do poeta) no espírito do major Valentim Loureiro, Pinto da Costa, Fátima Felgueiras, Ex-Administradores do BCP e demais demandados pela justiça portuguesa. Aliás, é eloquente o que a história recente de Portugal nos diz a esse respeito: Vale e Azevedo enquanto foi presidente do Benfica (e todos sabemos que tal cargo é, seguramente, equiparado, simbolicamente pelo menos, a ministro) teve algum problema com a Justiça? Não, mas mal saiu do cargo foi detido e ainda anda agora, sediado em Londres, está sujeito a um mandato internacional de detenção.

Mas há uma figura que lhe caiu no goto: o presidente do Conselho Justiça, Dr. Gonçalves Pereira, também vereador em Gondomar, onde Valentim Loureiro é Presidente da Câmara, e cujo clube da terra está acusado de coisas menos próprias, dono de um invejável código ético, não encontrou qualquer incompatibilidade em participar no órgão colegial que coordena e ademais, percebendo que os seus pares tinham um sentido de voto contrário ao seu, não foi de modas e deu abruptamente por encerrada a sessão, criando um imbróglio jurídico que levou ao chamamento do Prof. Freitas do Amaral para dirimir o conflito.

ALEGORIA



Escultura de RIK POT (Exposição em Bruges)

O LADO SOLAR DAS ESTATÍSTICAS

Alice pensa à sua medida: oriunda da classe média trabalhadora, tenta perceber como é que o seu orçamento nos últimos anos tende inapelavelmente para o desequilíbrio: o emprego do marido substituído por um instável trabalho temporário, a casa que “alugara” ao banco e cujos juros não param de aumentar, o IMI, que os governantes introduziram sem medir as consequências do agravamento em que se traduziu, sobretudo para os casais mais jovens ...
Entretanto, o filho chegou e ela prestava-se para lhe servir o almoço, um guisado que o adolescente apreciava particularmente, quando reparou melhor na sua face alterada, sinal de que algo de grave se passara: Fora uma vez mais assaltado, em pleno dia, quando vinha do liceu para casa, tendo-lhe sido levado o telemóvel e um banal reprodutor de mp3. Alice, após consolar o filho, pela primeira vez meditou seriamente se a onda de assaltos que um pouco por toda a cidade se havia multiplicado tinha correspondência nas estatísticas, pois começava a não haver familiar, vizinho ou conhecido que não tivesse sido vítima, pelo menos uma vez, de um crime contra a propriedade, por vezes pondo-lhes em perigo a própria integridade física. Será que a sociedade desigual, hedonista e insolidária que criámos estará em condições para suportar as presentes e (futuras?) adversidades económicas que se constatam ou vislumbram? Ou o osso buco da ementa doméstica daquele dia corresponderá à metáfora de uma sociedade globalizada que se impôs ao mundo, parca de valores e de ética, indiferente às desigualdades sociais?

E SE PARÁSSEMOS PARA PENSAR UM POUCO?

Ouve-se cada vez com mais insistência que a classe média está a empobrecer e os pobres a cair na indigência. Isabel Jonet, directora do Banco Alimentar Contra a Fome, veio afirmar, recentemente, que antigos dadores são agora envergonhados utentes daquela instituição. O presidente da Caritas, o nosso conterrâneo Eugénio da Fonseca, mostrou publicamente a sua preocupação com o aumento da pobreza. Até alguns economistas - de tendência liberal - começam a ficar preocupados com o fosso cada vez maior ente ricos e pobres, o aumento crescente do desemprego, a degradação acentuada dos salários dos trabalhadores, o campear do emprego “selvagem”, sem contratos nem segurança social, enquanto, sem pudor, se vão acumulando fortunas com base em actos de duvidosa proveniência ou de ética pouco recomendável.

GAUDI: ARTE DIVINA; SANTO NÃO

TIA DA ALICE TENTA RECUPERAR A VISÃO

Vamos aos factos: a tia da Alice, senhora de 68 anos, veio do oftalmologista (particular...) com o diagnóstico que confirmara as suas queixas: estava afectada por cataratas, “nada que não tivesse cura”, acrescentara o clínico. Dirigiu-se então à sua médica de família e ficou a saber que as consultas de especialidade estavam com um atraso de longos meses e as intervenções cirúrgicas do Serviço Nacional de Saúde demoravam ainda mais.
Não sabia que fazer. O médico particular, atencioso, falou-lhe em qualquer coisa como 2000 euros, por uma vista. Era incomportável para a sua magra pensão. Alice recordou-se de que algumas autarquias haviam feito acordos com Cuba, onde por menos dinheiro se deslocavam de avião, eram operadas e estavam quinze dias na ilha de Fidel a recuperar da visão. Soube também que o Hospital Distrital do Barreiro, que vira engrossar em mais 616 novas propostas cirúrgicas de cataratas, contratara um cirurgião espanhol de Badajoz que, numa semana, realizara mais cirurgias que o hospital em todo o ano de 2007, por um terço do preço do praticado pelos cirurgiões portugueses. E com o desassombro que se reconhece a nuestros hermanos teria afirmado que “a medicina portuguesa estava neste particular desactualizada” perante a afirmação defensiva de um representante da Ordem dos Médicos, indignado pelo chamamento dos colegas espanhóis!
O povo tem razão: Não há pior cego que aquele que não quer ver…
Enquanto isso, há milhares de portugueses que mergulharam definitivamente na escuridão pela miopia de uns, a ganância de outros, a incompetência de todos.

Sunday, August 3, 2008

ENSINO: UMA ESPÉCIE DE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Quando as manifestações começaram a suceder um pouco por todo o lado, Alice percebeu a sua verdadeira essência: mais do que uma revolta, era a expressão de um grito de alma, um dizer basta, um chumbo a uma ministra e a um governo que os vinham tratando como indignos e incapazes. Finalmente compreenderam que estavam a salvo: poderiam não conseguir alterar grande coisa, mas, como a personagem do Chefe, do célebre filme “Voando sobre um Ninho de Cucos” de Milos Forman, conseguissem ou não, haviam tentado. Pois só assim se pode recuperar a dignidade ferida. E, com ela, a paz interior.