Alice pensa à sua medida: oriunda da classe média trabalhadora, tenta perceber como é que o seu orçamento nos últimos anos tende inapelavelmente para o desequilíbrio: o emprego do marido substituído por um instável trabalho temporário, a casa que “alugara” ao banco e cujos juros não param de aumentar, o IMI, que os governantes introduziram sem medir as consequências do agravamento em que se traduziu, sobretudo para os casais mais jovens ...
Entretanto, o filho chegou e ela prestava-se para lhe servir o almoço, um guisado que o adolescente apreciava particularmente, quando reparou melhor na sua face alterada, sinal de que algo de grave se passara: Fora uma vez mais assaltado, em pleno dia, quando vinha do liceu para casa, tendo-lhe sido levado o telemóvel e um banal reprodutor de mp3. Alice, após consolar o filho, pela primeira vez meditou seriamente se a onda de assaltos que um pouco por toda a cidade se havia multiplicado tinha correspondência nas estatísticas, pois começava a não haver familiar, vizinho ou conhecido que não tivesse sido vítima, pelo menos uma vez, de um crime contra a propriedade, por vezes pondo-lhes em perigo a própria integridade física. Será que a sociedade desigual, hedonista e insolidária que criámos estará em condições para suportar as presentes e (futuras?) adversidades económicas que se constatam ou vislumbram? Ou o osso buco da ementa doméstica daquele dia corresponderá à metáfora de uma sociedade globalizada que se impôs ao mundo, parca de valores e de ética, indiferente às desigualdades sociais?
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